Os Impactos Ambientais da Moda: por que nossas roupas importam
A moda é hoje um dos grandes desafios ambientais a nível global. Embora muitas vezes seja associada apenas ao design, estilo ou tendência, a verdade é que a cadeia produtiva da moda tem profundas implicações para o planeta e cabe a nós, e às nossas escolhas mudar esse cenário.
Adelita Lenartowski
10/23/20255 min read


A moda — mais especificamente a produção, uso e descarte de vestuário — é hoje um dos grandes desafios ambientais a nível global. Embora muitas vezes associemos “moda” apenas ao design, estilo ou tendência, a verdade é que a cadeia produtiva da moda tem profundas implicações para o planeta: uso intensivo de água, consumo de recursos, emissões de gases de efeito estufa, geração de resíduos e poluição.
Neste artigo, vou apresentar alguns dados recentes, as causas desse cenário e o que podemos fazer para reverter o rumo e reduzir os impactos da moda no meio ambiente.
Escala de produção e descarte
A produção de têxteis e roupas cresceu muito nas últimas décadas, ao mesmo tempo em que o tempo de uso das roupas diminuiu. Para se ter uma ideia, a média de lançamento nas grandes marcas de fast fashion é de 52 coleções ao ano, ou seja, uma coleção nova por semana. Enquanto uma pesquisa realizada pela Sophia Mind (empresa especializada em inteligência de mercado), apontou que 55% das mulheres brasileiras compram pelo menos uma peça de roupa nova ao mês. Ou seja, na mesma proporção que a produção é grande, a procura por peças novas também é.
E na maioria das vezes quando compramos uma peça nova, apenas pensamos no que estamos levando para casa, mas não consideramos os impactos das nossas escolhas. Por exemplo:
De acordo com a UNEP, globalmente, cerca de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis são gerados a cada ano. Apenas no Brasil, esse número chega a 4,6 milhões de toneladas.
Um relatório de 2025 da Boston Consulting Group estima que em 2024 o volume de resíduos têxteis mundiais atingiu 120 milhões de toneladas, e pode ultrapassar 150 milhões de toneladas/ano até 2030, se nada mudar.
Na União Europeia, estima-se em aproximadamente 6,94 milhões de toneladas de resíduos têxteis geradas em 2022 — cerca de 16 kg por pessoa.
Esses números chamam atenção para o quanto o setor está operando em um modelo linear de produção- uso-descarte, em vez de circular, onde a peça é produzida, usada, reutilizada, e só então descartada.
Uso de água e recursos
Produzir tecidos e roupas exige enormes quantidades de água e outros recursos naturais. Ao ano, a indústria têxtil consome em torno de 79 a 93 bilhões de metros cúbicos de água, globalmente. Para fabricar uma única camiseta básica de algodão comum, são utilizados cerca de 2.700 litros de água, enquanto para uma calça jeans, aproximadamente 7.500 litros de água (ou até mais).
A tinturaria e o acabamento de tecidos respondem por cerca de 20% da poluição industrial de água no mundo.
A cadeia da moda também contribui significativamente para as emissões de gases de efeito estufa. Conforme a BCG, a produção de têxteis está associada a cerca de 92% das emissões da indústria da moda (desde a extração até o produto acabado). E alguns estudos apontam que a produção de fibras têxteis mais do que dobrou desde os anos 2000, ampliando ainda mais o impacto climático.
Esses dados evidenciam que, mesmo antes de chegar à prateleira, nossas roupas já deixaram uma pegada gigantesca no meu ambiente.
Descarte, reciclagem e circularidade
Apesar das grandes quantidades produzidas, muito pouco é reaproveitado de forma eficiente. Do total de resíduos têxteis globais, cerca de 80% acabam em aterros sanitários ou são incinerados. No relatório da Boston Consulting Group: “em 2024, 80% dos 120 milhões de toneladas de roupas descartadas acabaram nessas formas de descarte”.
Além disso, temos um exemplo bem impactante, que é o Deserto do Atacama, no Chile. Alguns estudos mencionam que aproximadamente 59.000 toneladas de roupas usadas ou não vendidas chegam ao porto de Iquique, via zona franca, anualmente, e dessas, 39.000 toneladas são descartadas ilegalmente no deserto.
De todos os resíduos têxteis, apenas 12% são reutilizados, e menos de 1% reciclados e transformados em novas fibras de vestuário.
Essa disparidade entre produção e reaproveitamento revela uma grande falha estrutural: muitas roupas são usadas pouquíssimas vezes e então são descartadas, tendo a sua vida útil reduzida.


Principais causas e dinâmicas
Alguns fatores explicam por que esse cenário persiste:
Fast fashion: ciclos de moda mais curtos, com roupas mais baratas e menos duráveis, significam que as peças são usadas menos vezes e por menos tempo. Estudos indicam uma queda de ~36% no número de vezes que uma peça é usada em comparação a 15 anos atrás.
Materiais sintéticos: roupas feitas de poliéster, nylon e outras fibras plásticas não só dependem de petróleo como liberam microfibras no ambiente
Infraestrutura de reciclagem limitada: tecnologias, logística e políticas ainda não acompanham o ritmo de descarte.
Exportação de resíduos: países de renda mais baixa frequentemente recebem vestuário usado ou resíduos têxteis de países ricos, criando impactos ambientais e sociais.
Consequências sociais e ambientais
Os impactos não são apenas ambientais — também são sociais e econômicos.
Por exemplo, muitas regiões de cultivo de algodão e produção têxtil enfrentam escassez de água ou contaminação por produtos químicos. Além disso, por essas regiões serem mais pobres, contam com mão de obra barata, e muitas vezes exploratória.
A destinação inadequada de roupas provoca emissão de gases nos aterros ou queima irregular, liberando toxinas nocivas à nossa saúde e prejudiciais ao efeito estufa.
A baixa durabilidade das roupas e o descarte rápido alimentam um ciclo de consumo que sobrecarrega não só os recursos naturais, mas também os trabalhadores envolvidos nesse processo.
Caminhos para mudança: o que pode (e deve) ser feito
Felizmente, há várias estratégias que marcas, consumidores e reguladores podem adotar para reduzir os impactos da moda:
Para marcas e indústria:
Adotar modelos de produção mais circulares: design para desmontagem, materiais reciclados, logística reversa.
Melhorar a durabilidade e qualidade das peças, incentivando menos descarte.
Investir em processos menos intensivos em água e químicos; por exemplo, tecnologias de tingimento mais eficientes.
Transparência nos relatórios de sustentabilidade e metas de redução de impacto.
Para consumidores:
Comprar menos, com mais consciência: priorizar peças de qualidade, de longa duração e materiais sustentáveis.
Dar preferência a marcas com práticas responsáveis ou reciclagem/retorno de roupas.
Reutilizar, reparar ou trocar roupas em vez de descartá-las rapidamente.
Separar e encaminhar adequadamente roupas usadas para reciclagem ou doações.
Dar preferência à compra de roupas de segunda mão.
Para políticas públicas e sistema:
Regulamentações de responsabilidade estendida ao produtor (EPR) para têxteis, cobrando que marcas lidem com o ciclo completo do produto.
Incentivos para infraestrutura de reciclagem têxtil e desenvolvimento de tecnologias.
Campanhas de conscientização para o consumidor sobre impacto ambiental da moda.
A moda não é apenas “roupa”, ela é parte integrante do sistema global de produção, consumo e descarte. Os números são contundentes: milhões de toneladas de tecidos descartados, bilhões de litros de água usados, e um ciclo cada vez mais rápido de consumismo. Mas também há oportunidade de mudança. Cada escolha de compra, cada peça reutilizada ou reciclada, cada marca que repensa o seu modelo faz diferença.
Se quisermos que o setor da moda caminhe para um futuro sustentável, será preciso unir indústria, consumidores e políticas públicas. Afinal, vestir-se bem deveria significar vestir-se de forma menos nociva e danosa ao meio ambiente.
Deserto do Atacama, Chile - The Guardian
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